QUILOMBOLAS DO BURACO, CUBAS E TRÊS BARRAS
- centroculturaltaperareal
- 24 de dez. de 2018
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Atualizado: 19 de set.
A Associação Comunitária Quilombola de Três Barras, Buraco e Cubas (ACQTBC) é a entidade representativa dessas 03 comunidades, destacadas pela inserção em uma exuberante paisagem repleta de atrativos naturais, sendo a mais conhecida Cachoeira de Três Barras.Embora distintas, Buraco, Cubas e Três Barras são representadas por uma mesma associação (ACQTB), obtiveram como consequência um único certificado de reconhecimento pela Fundação Cultural Palmares. As condições específicas de acesso ao território montanhoso, que está configurado como uma barra que marca a confluência dos rios Três Barras, Cubas e Preto, delimitaram nos tempos passados e presente o alcance das trocas e intercâmbios, contribuindo para o estabelecimento dos estreitos laços de parentesco e vizinhança entre estas comunidades.
Diferentes hipóteses são levantadas acerca da origem destas comunidades. Alguns relatos dão conta de que vieram de uma senzala do Itacolomi. Outros informam que parte eram meeiros de terras de fazendeiros da própria região. A este respeito uma estrutura arqueológica hidráulica presente no Moinho do Zé do Juca é apresentada pelos quilombolas do Buraco como testemunho do trabalho dos negros escravizados a força. Um olhar de terceiros sobre esta comunidade dizem que e era povo que “ficava de um lado para outro, plantando na Torre”.

Buraco na pedra feito por escravos – Moinho do Seu Juca -Região das Três Barras Fonte: https://bit.ly/32gE6h0 – aos 01 minuto e 40 segundos
O mais certo é que as comunidades foram formados por negros provenientes de mais de uma localidade, inclusive em contextos pós-abolição , já que este contexto não lhes garantiu a posse da terra. Tais situações em alguns casos envolveram genocídios e saques, como o caso da fazenda Mata Cavalo. localizada no município do Morro do Pilar, mas que até a primeira metade do século XX esteve vinculada a Conceição do Mato Dentro. Datado de 1883, o estatuto desta propriedade – conhecido como Testamento de Mãe Tança (Constança)- seguia determinação de seu falecido pai, José Pereira de Abreu e Lima, fidalgo da Casa Imperial e amigo de D. Pedro II, que na prática transformava a fazenda Mata-Cavalo em um quilombo. Por meio dele são declarados livres todos os escravizados, antes mesmo da abolição, destinando aos mesmos como herdeiros de suas terras, sob a condição de inalienabilidade das mesmas, ou seja, de permanecerem ali morando em sociedade, sendo vetada a venda ou alienação. E assim procederam até 1930, momento em que tem início uma série de chacinas, incêndios criminosos e litígios jurídicos agenciados por fazendeiros da região com apoio do aparato jurídico-policial, pendendo sempre em desfavor dos proprietários, em clara dissonância com o estabelecido no estatuto testamentário. Durante todo este período os negros alforriados ali cultivaram principalmente o milho, feijão, café, bananas e cana-de-açúcar (a partir da qual produziam rapadura e cachaça) e celebraram explicitamente suas festas e rituais de devoção a Nossa Senhora do Rosário e São Benedito. (In:Grossi, Y.Souza;Martins.F. Herança negra de liberdade e exclusão Cad. hist., Belo Horizonte, v. 2, n. 2, jun. 1997:7-22) .
A cultura e a religiosidade popular prosseguem vivas no território. Em Três Barras e Cubas é realizada anualmente a Festa de Nossa Senhora do Rosário, sendo que nesta última realiza-se com a mesma periodicidade a Festa do Divino.

Festa do Divino em Cubas – (Júlio Jader , 2016)
Todavia, é preocupante o Inventário realizado pelo IPHAN em 2011 acerca do declínio da vitalidade das referências culturais destas comunidades. Neste estudo, é declarada a extinção de duas manifestações tradicionais de Cubas, reduzidas à Memória: a Dança do Pilão e a Dança da Umbigada. Por sua vez, embora na ocasião a Marujada de Três fosse apontada como operante, seu estado é terminal, sendo que os Marujeiros não se agrupam e os poucos que sobreviveram já foram incorporados por outras Marujadas da cidade como a do Sr. Chiquito e a da Sede. O filme ” Quilombos da Serra do Cipó”, que corresponde aos registros audiovisuais do INRC do IPHAN (2011), ilustra a importância cultural da Marujada de Três Barras para a linha do tempo da comunidade(de 37 minutos e 02 segundos em diante).
Ver relato sobre Marujada de Três Barras a partir de 37 minutos e 02 segundos
Outra referência importante, mas que trata especificamente do processo de formação histórico e cultural destas comunidades é “MEMÓRIAS – A história da comunidade quilombola de Três Barras, Buraco e Cubas“, realizado em 2013 através de Apoio do Edital de Micro Projetos da Funarte/MINC.
FILME MEMÓRIAS – Edital MICRO PROJETOS FUNARTE/2013
Já a Comunidade do Buraco não possui nenhuma manifestação que remeta ao legado africanos Por outro lado, exetuando-se a parcela de terra alienada há alguns anos sob a pressão econômica e política dos confinantes, trata-se da única entre as três comunidades que mantém a identidade territorial no presente atrelada à identidade quilombola, fazendo valer a luta pelo que lhes sobrou das terras. Três Barras e Cubas sucumbiram à especulação imobiliária e parte dos moradores vendeu as terras para sitiantes. Como efeito deste processo observa-se o surgimento de pousadas e outros negócios empreendidos pelos recém chegados. Há uma visão nestas duas comunidades de que é possível preservar a identidade e os benefícios de ser quilombola abrindo mão do estatuto coletivo inerente à legislação da matéria (através da alienação individual das terras) .
Impossível fazer menção a estas comunidades sem fazer referência a Cachoeira de Três Barras, ponto comum da estrada de terra que bifurca-se à direita para Três Barras e à esquerda para o Buraco, de onde segue mais adiante para Cubas. De cada comunidade partem trilhas, usadas historicamente pelos tropeiros, que vão convergindo em direção ao distrito vizinho do Tabuleiro.
A trilha que sai por Três Barras (e em certa altura é reforçada por uma vertente direita que vem do Buraco) sobe a serra até a fabulosa Torre de Pedras e cujo mistério em torno de sua formação deu origem a curiosa casuística que ora remetia sua origem apara os paleoíndios, ora para extraterrestres. A hipótese mais corrente hoje é a geológica e do alto dos seus 45 metros é possível fruir uma vista deslumbrante das vertentes opostas da Serra, incluindo os distritos de Três Barras e do Tabuleiro.
Torre de Pedras – Três Barras
O entorno da Torre de Pedras configura-se como autêntico sítio arqueológico que, ao lado de dados etnográficos, evidencia informações valiosas sobre o histórico campesinato negro no território, em função das áreas remanescentes de plantio, a maioria destinada para uso atual da pecuária. Nestas áreas, os agricultores de Três Barras, Buraco e também Tabuleiro estabeleciam com os fazendeiros da oligarquia local relações de exploração do trabalho como diária, arrendamento, terça, meia e varias formas de “contrato” tradicionais. Sazonalmente, aproveitando as chuvas de verão que facilitam os processos de aragem e semeadura, é possível identificar uma ou outra roça ativa, neste caso ainda se caracterizam uso de ferramentas e técnicas tradicionais (foto abaixo).

Arado Animal puxado por dois garrotes – Técnica tradicional de cultivo em área de plantio no entorno da Torre de Pedras – Três Barras. (Júlio Jader, 2014)
Já a trilha que segue em direção à Cubas chega até a Casa de Sr. Geraldo, adjunta da Capela onde se realiza a Festa do Divino e onde pode-se apreciar uma culinária típica como frango com angú e guandó, as margens do Rio Cubas. É possível curtir a linda e bucólica Cachoeira de Cubas, situada pouco mais de 500 metros à montante. Ou então prosseguir a subida até o alto da Serra para de lá escolher entre descer diretamente para o Tabuleiro, passando pela maravilhosa região do Salto ou seguir até alto da Cachoeira de mesmo nome, para dali estabelecer conexões mais amplas com o turismo geral na Serra do Cipó, uma vez que deste ponto pode se seguir para a já consagrada localidade turística da Lapinha da Serra, já no município de Santana do Riacho.
Acerca do processo de fortalecimento institucional, o impulso inicial ocorreu por volta de 2005 quando as comunidades foram contempladas por projetos desenvolvidos pelo Nùcleo de Estudos Sobre o Trabalho Humano da UFMG (NESTH), incluindo formação para a cidadania e construção dos direitos quilombolas. Frente ao absoluto descaso pelo poder municipal tem início a alocação de políticas públicas e projetos federais de infraestrutura nas áreas de habitação (Minha Casa, Minha Vida), eletricidade (Luz Para Todos) e abastecimento hídrico, culminando com a obtenção de certidão de auto-reconhecimento pela Fundação Palmares em 22/11/2011 (única para as 3 comunidades).

Jornal da ALMG, Abril/2013
Ao mesmo tempo em que contribuíram para a melhoria da qualidade de vida, estas ações ampliaram a visibilidade dos quilombolas e seus territórios, aumentando a especulação imobiliária e colocando em risco a sua identidade. Neste mesmo período a cidade passou por profundas e velozes transformações, com a chegada da mineração transnacional , os processos de urbanização atrelados e sua gravitação exercida sobre os jovens, impactando o contexto de vida rural e comprometendo a reprodução cultural, onde se incluem o repasse dos saberes e fazeres associados aos cultivos e o universo agroecoalimentar., Para fazer face a estes desafios a ACQTBC manteve a parceria com a UFMG em projetos de diagnóstico participativo e transição agroecológica (PROEXT 2012-2015) e a partir de 2017 deu início à execução direta de projetos, com destaque para o Edital PROAP (MP-Cáritas), momento em que foram incorporada a dimensão de genêro com as mulheres, sobretudo jovens, se dedicando à lindos artefatos e até mesmo mobílias de Bambu (Grupo de Mulheres Mãos de Conceição).

Bordados com motivos paisagísticos e identitários quilombolas (Mãos de Conceição)
Já em Cubas, destacou-se o projeto de revitalização de Moinho de Fubá, articulado com outras iniciativas de turismo comunitário envolvendo outros atrativos já mencionados.
Uma nova compreensão sobre projetos socioculturais ocorreu durante a pandemia, com a aprovação do projeto “Coração Quilombola - Soluções Criativas em Metodologias Participativas” no Edital da Lei Aldir Blanc(LAB 01/2021), momento em que o modo de vida tradicional, o patrimônio agroecolimentar, seus fazeres e memórias foram qualificados no âmbito da política cultural. Esta ação, integrou cultura digital/ protagonismo juvenil com mestres/mestras detentoras da melhor idade, salvaguardando o patrimônio imaterial quilombola de benzedeiras, parteiras, marujeiros, agricultura familiar, fitoterapia e farmacopéia tradicional, entre outros. Todos os produtos deste projetos podem ser consultados no link:
A partir de 2022 e como resultado de algumas mudanças na conjuntura municipal, através de emendas emendas impositivas do legislativo municipal e do PROAP/MP Cáritas, a ACQTBC focou em projetos voltados para o fortalecimento da vocação rural dos quilombolas e voltados para o reforço da segurança alimentar, visando a promoção da saúde e complementação da renda. Estes projetos beneficiaram 40 unidades domésticas com pomares, hortas ou galinheiros , fortalecendo os mosaicos policulturais dos quintais produtivos familiares, sob a perspectiva da transição agroecológica.
. O trabalho com os mosaicos policulturais dos quintais produtivos também permitiram a construção de uma base cartográfica inicial dos quintais produtivos e roças e o etnoregistro colaborativo do patrimônio agroecoalimentar local.

Em sua jornada de lutas, a ACQTBC também estabeleceu trocas e teve presença e vocalização ativa em redes eventos junto com outras comunidades tradicionais e rurais, com destaque para a participação no II (2016 - Tabuleiro), III (2018-Serro), e IV (2020-Virtual) encontros da Rede dos Povos Espinhaço, na 2a. Edição do Canjerê – Festival de Cultura Quilombola de Minas (2016) e mais recentemente no Encontros da Rede Agrosol (2023), no I Encontro Ibero-americano de Pontos de Cultura e Turismo de Base Comunitária(2024) e no 1o. Festival de Quitandas e Mulheres Quitandeiras do Mato Dentro.

ara saber mais sobre as comunidades quilombolas de Conceição do Mato Dentro:
Elaboração: Júlio Jader Costa. Grift Humanidades 2019(atualizada em 2025).


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