Comunidade Quilombola de Candeias
- centroculturaltaperareal
- 24 de dez. de 2018
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Atualizado: 19 de set.
Candeias é um povoado que obteve o reconhecimento como Comunidade Quilombola em 2018 junto à Fundação Palmares em 2018. Não obstante, nos últimos anos a identidade tradicional vem sendo solapada pelo avanço da alienação fundiária/especulação imobiliária. O principal impacto no âmbito da cultura material é a demolição das casas tradicionais, localizadas na rua principal e que possuem um padrão estético e de assentamento específico(madeira e pau a pique), correspondendo ao sítio original de ocupação dos quilombolas.
A Igrejinha de Nossa Senhora do Rosário está localizada no final desta rua íngreme e codinome. Foi construída em meados do século XX e após décadas de degradação e demanda de cuidados, finalmente as edificações do templo estão passando por reformas. Possui centralidade na celebração da tradicional Festa de Nossa Senhora do Rosário, que anualmente atrai centenas de devotos de todo o município, animada pela Marujada comandada pelo Sr. Chiquito. Importante registrar que esta manifestação existia em praticamente todos os distritos de Conceição do Mato Dentro, mas que progressivamente, devido ao descaso do poder público e ausência de ações de salvaguarda, foram entrando em ruínas e se extinguido. Neste contexto, a Marujada de Candeias-Parauninha é a única ativa na zona rural da cidade, tendo inclusive incorporado Marujos de outros distritos como Três Barras, Tabuleiro, etc.

Sr. Chiquito comanda a Marujada de Candeias em frente à Igreja de N. Sra. do Rosário. (Júlio Jader,2015).
A Associação Comunitária Quilombola Unidos de Candeias (ACQUC) é a entidade representativa dos quilombolas residentes em seu território, legitimada pela Certificação de autoreconhecimento expedida pela Fundação Cultural Palmares em 2018 e reconhecida pela Coordenação Nacional de Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ). Desde sua fundação em 2008, a ACQUC tem trabalhado incansavelmente para defender e promover os direitos dos quilombolas, conquistando importantes marcos legais, materiais e simbólicos.

A ACQUC tem desenvolvido projetos sociais e culturais que visam melhorar a qualidade de vida dos quilombolas e preservar sua cultura. Entre os projetos executados diretamente pela ACQUC, destacam-se em 2023 e 2024 os contemplados pelo Edital Embaixadores do Bem/Anglo America : Quintais Sustentáveis, que beneficiou 15 famílias, e o Projeto Vigilante do Fogo, que formou 15 brigadistas. Além disso, através de emenda impositiva municipal a ACQUC também executou projetos de saneamento básico sustentável, construindo 40 fossas evapotranspiração(2024-25).
Mais recentemente, a ACQUC tem se destacado na promoção da arte e cultura quilombola. A associação realizou a 1ª e 2ª Edições do projeto Arte e Cultura Quilombola, que visou preservar e difundir a cultura quilombola.
Outra iniciativa aprovada no Edital Paulo Gustavo o filme curta-metragem que está em produção com o título : "Reinaldo de Seu Labatu"

Além das Iniciativas culturais protagonizadas pelos quilombolas, outras atividades são realizadas por moradores da vizinhança ou que que elegem Candeias como lugar para se viver. Uma delas é o Espaço Borum/Museu dos Povos do Espinhaço, que reúne uma gama de artefatos coletados entre os habitantes da região, variando de instrumentos líticos até objetos típicos do período colonial. Afirmando como Missão resgatar a ancestralidade dos povos que ocuparam o Espinhaço, associando-os com elementos cosmológicos do neoxamanismo/Nova Era e tendo a musicalização (tambores) como eixo central de atuação, o portfólio inclui rituais, apresentações culturais e atividades de lazer com trilhas interpretativas que incluem em seu trajeto grutas (sítios extrativistas) e arte rupestre.

Espaço Borum – Museu dos Povos do Espinhaço
Menção também é feita ao Ponto Cultural Ambiental da Serra, que tem como proponente a Associação Projeto Presente e que executou o projeto Travessia Quilombola (Edital Aldir Blac 2020), momento em que foram produzidos interessantes materiais, especialmente sobre o patrimônio agroecoalimentar e quitandeiro da comunidade.
Sem dúvida alguma a maior riqueza de é a agricultura familiar. Os quintais se caracterizam pela diversidade dos cultivos associados a formas de produção mista. A Folhinha Mariana, que reúne informações sobre todos os dias santos e luas do ano e indica as ocasiões mais apropriadas para o plantio/ colheita é instrumento invariável dependurada nas salas das residências. Mandioca, milho, cana-de-açúcar, café e vários tipos de feijão são cultivados mais disseminados. Parte das residências possuem casas de torrar farinha, outras realizam o processo em um espaço dentro da cozinha. Também são identificados alambiques e produção de cachaça. O café é torrado e socado no tradicional pilão, sendo comum a adição de uma erva medicinal chamada fedegoso (Fabaceae) junto aos grãos, dizem que é bom para pressão alta, mas que junto com oração para São bento é também remédio para a picada de cobra. Além de contribuir para a própria segurança alimentar, o milho serve de ração para os animais. Animais de pequeno porte como galinhas (e outras aves) e porcos são comuns. Alguns quilombolas possuem rebanhos com poucas cabeças, por meio dos quais suprem a demanda de leite para a produção de queijos e derivados. Com relação aos animais domésticos, além de guardas eficientes os cachorros são tradicionalmente auxiliares nas caçadas, cada vez menos frequentes devido às restrições da legislação ambiental, que causou impactos ainda maiores nas culturas de várzea, devido à proliferação das capivaras. A proibição de queimadas controladas (mato molhado) e a delimitação de áreas de preservação ambiental desestimulou o plantio em áreas localizadas no meio da serra. Soma-se a este quadro a este quadro a diminuição do volume hídrico. Mais recentemente, a introdução de caixas de apicultura e tanques de piscicultura remete para atividades de coleta de mel (nas lapas) e pesca que antigamente eram comuns entre os quilombolas. Mas, o extrativismo continua definindo o caráter tradicional da comunidade. Nas encostas proliferam complexos de mata-atlântica/candeal. Um registro de memória sobre o uso do óleo de candeia indica que era prescrito para machucados (em animais). Muitas espécies ervas medicinais ainda proliferam na serra, sendo a arnica a de uso mais consagrado. Vários tipos de palmeiras oferecem uma variedade de cocos como indaiá, macaúba e coco canela. O modo de transporte por tropas não foi totalmente abandonado. Além dos burros, alguns possuem cavalos, tais animais continuam imprescindíveis na travessia de trilhas que ligam localidades onde ainda é precário ou ausente o acesso de veículos automotores. A participação nas cavalgadas, geralmente associadas aos festejos do catolicismo popular, configura-se como momento simbólico de reafirmação de identidade e tradição, envolvendo sobretudo os homens. No tocante os conhecimentos das propriedades curativas das plantas, a a preservação e transmissão desses conhecimentos tem sido reservado majoritariamente às mulheres. E é entre elas que identificamos práticas transgeracionais associadas ao universo da benzeção.
A posição privilegiada de Candeias oferece vista para uma paisagem impressionante e de rara beleza. Do alto do povoado se pode mirar a amplitude do vale do Rio Parauninha e monumentos naturais suntuosos como a Cachoeira Rabo de Cavalo e o Cânion Peixe de Tolo.

Vista da paisagem exuberante do vale da Parauninha, desde o alto da Rua Principal de Candeias (Júlio Jader, 2015). Para saber mais sobre as comunidades quilombolas de Conceição do Mato Dentro:
https://youtube.com/playlist?list=PLZP1wYQTIuafW9NVU2c2QYBUVIk1C3MFJ&si=xVy8MalOK7NxcfRc Elaboração: Júlio Jader Costa. Grift Humanidades 2019(atualizada em 2025). Colaborou Eduardo Sorice


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